LGPD para Advogados: Guia de Adaptação e Compliance
LGPD para Advogados: Guia de Adaptação e Compliance
O mundo jurídico, por sua própria natureza, lida diariamente com um volume imenso de informações sensíveis e pessoais. Contratos, processos, dados de clientes, testemunhas e até mesmo de partes adversas trafegam constantemente nos escritórios e sistemas de advogados e advogadas. Nesse cenário, a chegada da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/2018, não foi apenas mais uma norma a ser cumprida, mas um verdadeiro divisor de águas que exige uma profunda reavaliação de como os dados são coletados, tratados e protegidos.
Muitos profissionais do Direito ainda se questionam sobre a real extensão da LGPD em sua prática. É um erro pensar que a lei se aplica apenas a grandes empresas de tecnologia. Pelo contrário, cada escritório, cada advogado autônomo, cada departamento jurídico, ao lidar com dados pessoais, torna-se um agente de tratamento e, portanto, sujeito às rigorosas exigências da lei.
Este guia foi pensado para desmistificar a LGPD para advogados, mostrando os desafios, as implicações e, principalmente, as estratégias para garantir a conformidade. Afinal, a proteção de dados não é só uma obrigação legal, mas um reforço essencial ao sigilo profissional e à confiança que norteiam a relação advogado-cliente.
O que a LGPD significa para o escritório de advocacia?
Em sua essência, a LGPD estabelece regras claras sobre o tratamento de dados pessoais, desde a sua coleta até o seu descarte. Para os advogados, isso significa que todas as informações que identificam ou podem identificar uma pessoa – como nome, CPF, endereço, e-mail, informações de saúde, financeiras ou processuais – devem ser manuseadas com base em um dos dez princípios e das dez bases legais previstas na lei.
O escritório de advocacia atua tanto como Controlador de Dados (quando decide sobre o tratamento dos dados, como ao coletar informações do cliente para um processo) quanto, em algumas situações, como Operador de Dados (quando trata dados em nome de outro controlador, como uma empresa para a qual presta consultoria). Essa dupla função exige uma atenção redobrada e a adoção de medidas que garantam a segurança e a privacidade em todas as etapas.
O não cumprimento das diretrizes da LGPD pode acarretar penalidades severas, que vão desde advertências até multas que chegam a 2% do faturamento da pessoa jurídica de direito privado (limitado a R$ 50 milhões por infração), além da publicização da infração e da suspensão do tratamento de dados. Mas, além das sanções financeiras, está em jogo a reputação e a credibilidade do profissional e do escritório.
Fundamentos Jurídicos e Pilares da Proteção de Dados na Advocacia
A adequação à LGPD no contexto jurídico não é apenas uma questão de segurança da informação, mas uma extensão dos princípios éticos e legais já consolidados na profissão. O Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94) e o Código de Ética e Disciplina da OAB já impõem o dever de sigilo profissional, a confidencialidade das informações e a fidelidade aos interesses do cliente. A LGPD vem reforçar e detalhar a forma como esses preceitos devem ser aplicados na era digital.
Dentre os princípios da LGPD, alguns são cruciais para a advocacia:
- Finalidade: A coleta de dados deve ter um propósito legítimo, específico e informado ao titular. O advogado só pode coletar os dados estritamente necessários para a prestação do serviço jurídico.
- Adequação e Necessidade: O tratamento deve ser compatível com as finalidades informadas e limitado ao mínimo necessário para alcançar esses objetivos.
- Transparência: O titular dos dados deve ter acesso claro e preciso sobre como seus dados são tratados.
- Segurança: Devem ser adotadas medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão.
- Prevenção: Medidas para evitar a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais.
A principal base legal que justifica o tratamento de dados na advocacia, além do consentimento explícito do titular, é a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular, e o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral. Isso permite que o advogado utilize os dados necessários para defender os interesses de seu cliente em juízo ou fora dele, desde que o tratamento esteja estritamente vinculado a essa finalidade.
Art. 7º, VI - para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral.Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
Desafios e Implicações Práticas para Advogados
A adaptação à LGPD não é um processo simples e demanda uma mudança de cultura dentro do escritório. Veja os principais pontos de atenção:
Coleta e Armazenamento de Dados
Como e por que você está coletando cada dado? O advogado precisa ter clareza sobre a finalidade de cada informação. Dados coletados via formulários online, e-mails, WhatsApp, ou em reuniões presenciais, todos devem ter uma base legal. O armazenamento, seja em servidores físicos, na nuvem, ou em arquivos de papel, exige segurança compatível. Por exemplo, informações de saúde ou dados biométricos são considerados dados sensíveis pela LGPD e exigem um nível ainda maior de proteção.
Segurança da Informação e Vazamento de Dados
Proteger os dados é fundamental. Isso envolve a implementação de medidas de segurança robustas, como criptografia, autenticação de dois fatores, backups regulares e softwares atualizados. Em caso de incidente de segurança que possa gerar risco ou dano relevante aos titulares, o escritório tem a obrigação de comunicar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e os titulares afetados em prazo razoável. A negligência nesse ponto pode levar a grandes prejuízos.
Direitos dos Titulares de Dados
A LGPD confere aos titulares diversos direitos, como o acesso aos seus dados, correção de informações incompletas, inexatas ou desatualizadas, anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, portabilidade e revogação do consentimento. O escritório precisa ter mecanismos para atender a essas solicitações de forma eficiente e dentro dos prazos legais.
Relação com Terceiros
É comum que advogados compartilhem informações com peritos, correspondentes, outros escritórios em casos de colaboração ou mesmo com prestadores de serviços de TI. Nesses casos, o escritório deve garantir que esses terceiros também estejam em conformidade com a LGPD e que existam contratos que definam as responsabilidades sobre o tratamento dos dados. Isso é vital para evitar a responsabilização solidária em caso de vazamento.
Passos Essenciais para a Adaptação e Compliance
A jornada para a conformidade com a LGPD exige um plano de ação estruturado:
- Mapeamento de Dados: Identifique quais dados pessoais são coletados, onde são armazenados, por quanto tempo e com qual finalidade. Isso é a base de tudo.
- Análise de Riscos e Implementação de Medidas de Segurança: Avalie os riscos de incidentes e adote soluções tecnológicas e organizacionais para proteger os dados (firewalls, antivírus, políticas de acesso, etc.).
- Revisão de Documentos: Atualize contratos com clientes, termos de uso, políticas de privacidade e termos de consentimento, deixando-os claros e em conformidade com a LGPD.
- Treinamento da Equipe: Todos os colaboradores do escritório devem entender a importância da LGPD e saber como manusear os dados de forma segura e ética.
- Definição de Responsabilidades: Designe um responsável pela proteção de dados no escritório, seja um DPO (Data Protection Officer) ou um encarregado interno, dependendo do porte e da complexidade do tratamento de dados.
- Criação de Procedimentos: Estabeleça rotinas para o tratamento de dados, como o protocolo para atender às solicitações de titulares, a forma de descarte seguro de informações e o plano de resposta a incidentes.
Por que essa decisão importa agora?
A LGPD não é uma lei do futuro, mas do presente. A ANPD já está em pleno funcionamento e a fiscalização se intensifica. A adaptação não é apenas uma forma de evitar multas, mas um investimento na própria sustentabilidade do negócio jurídico. Clientes estão cada vez mais cientes de seus direitos e a reputação de um escritório que demonstra comprometimento com a privacidade dos dados é um diferencial competitivo valioso.
Além disso, a conformidade com a LGPD reforça o papel do advogado como guardião de informações sensíveis, elevando o padrão de qualidade e confiança da prestação de serviços jurídicos. Em um mundo onde a informação é um ativo valioso, a proteção dos dados pessoais dos clientes é uma prova irrefutável de profissionalismo e respeito.
Conclusão
A LGPD representa uma evolução necessária na forma como o Direito se relaciona com a tecnologia e a privacidade. Para advogados e escritórios de advocacia, ela não é um obstáculo, mas uma oportunidade para aprimorar processos, fortalecer a segurança jurídica e consolidar a confiança dos clientes. Adequar-se à lei é um passo essencial para garantir não apenas a legalidade, mas também a ética e a longevidade da prática jurídica na era digital.
O tempo de adaptação acabou, e a LGPD é uma realidade inquestionável. Prepare seu escritório, proteja seus clientes e esteja à frente das exigências do mercado. Para continuar aprofundando seus conhecimentos sobre as intersecções entre Direito e tecnologia, e muitos outros temas relevantes, não deixe de acompanhar os artigos e análises do nosso blog. Acesse o seudireito.net e fique por dentro!